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O fim da escala 6x1 afetaria a rotina de quantas pessoas? - BDletter 41

Analisamos os dados da RAIS para entender melhor como é a rotina de trabalho de trabalhadores(as) CLT no Brasil.

Marina Monteiro, Thais Filipi, Giovane Caruso, José Felix

3 de jun. de 2025

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O debate em torno da redução da jornada de trabalho se intensificou após a apresentação da PEC 8/25 ao Congresso, em fevereiro deste ano. A proposta de emenda constitucional prevê a redução do número máximo de dias trabalhados por semana para 4, com jornadas diárias de até 8 horas e a carga semanal de no máximo 36 horas. Isso altera a regra atual, que permite jornadas de até 6 dias, desde que não ultrapasse 8 horas diárias ou 44 horas semanais. Na proposta há a defesa de que a redução das jornadas pode trazer benefícios à qualidade de vida, à saúde, ao bem-estar e às relações familiares dos trabalhadores. O aumento do tempo livre também se traduziria em melhores condições de qualificação profissional e busca de novas carreiras. De acordo com o texto, os salários seriam mantidos, evitando qualquer forma de redução indireta da remuneração (UOL, 2024).

A proposta tem levantado discussões – e críticas – sobre seu impacto na economia. Mas afinal, quantos seriam os trabalhadores afetados por essa mudança?

Uma das limitações enfrentadas no debate é que um dos principais registros administrativos sobre vínculos formais no Brasil, a RAIS, não traz informações sobre a escala de trabalho, apenas sobre a carga horária semanal. Contudo, este último ponto também é central ao debate. Levantamos informações sobre o total de trabalhadores a partir das horas semanais contratuais declaradas de 2015 a 2023 para o Brasil todo e considerando todas as atividades econômicas.

A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) é um registro administrativo de abrangência nacional, com declaração obrigatória anual por parte de todos os estabelecimentos públicos e privados, mesmo aqueles sem vínculos empregatícios no ano. Criada em 1975, a RAIS é uma importante fonte de dados estatísticos sobre o mercado de trabalho formal no Brasil, sendo utilizada para o monitoramento de empregos, formulação de políticas públicas e concessão de benefícios sociais. Suas bases principais — RAIS Vínculos e RAIS Estabelecimentos — reúnem informações como estoque de empregos ativos em 31 de dezembro de cada ano, remuneração mensal dos trabalhadores e características dos estabelecimentos, como setor econômico, natureza jurídica e demais características (Ministério do Trabalho e Emprego, 2025).

O gráfico 1 apresenta a distribuição de trabalhadores por faixas de quantidade de horas contratadas em 2023. Consideramos somente os vínculos CLT ativos em 31/12 de 2023. Os vínculos CLT podem variar conforme a natureza da contratação (urbana/rural), o tipo de empregador (pessoa física/pessoa jurídica), e se o contrato é determinado ou indeterminado. O mais frequente são trabalhadores urbanos, empregados por pessoa jurídica e sem delimitação de tempo contratual.

A maior parte dos trabalhadores com vínculos formais opera em escalas de 44h semanais ou mais, com 32,0 mi de trabalhadores, ou cerca de 77% do total. Vale destacar que isso não quer dizer que todos estão sob a escala 6x1. Existe grande variedade de escalas de trabalho em vigência nos mais diversos setores econômicos. Dessa forma, uma pessoa com contrato de 40h ou 30h semanais pode se enquadrar na escala 6x1 a depender da distribuição da jornada ao longo da semana. Também é comum haver contratos de 44h semanais na escala 5x2, em que horas de trabalho podem ser adicionadas diariamente para compensar os dois dias de descanso na semana (Teixeira et al., 2025).

Utilizando o recorte da PEC 8/25, que propõe a redução da carga horária semanal máxima para 36 horas, cerca de 38 milhões de trabalhadores com carteira assinada – ou 89% do total em 2023 – teriam sua rotina transformada. A maioria deles atua hoje sob o regime de 44 horas semanais, conforme apontado. O gráfico 2 mostra a evolução no tempo das diferentes faixas de horas contratadas.

Em todo o período, os vínculos com jornadas de 44 horas ou mais lideram com folga, representando mais de 70% dos contratos a cada ano. As faixas intermediárias seguem praticamente estáveis. A exceção são as faixas de até 20h e de 20 a 40h, que aumentaram entre 2019 e 2021. No geral, a distribuição mudou pouco na última década, o que mostra como a carga horária padrão adotada pelas empresas permanece praticamente a mesma.

De acordo com análise da Lagom Data publicada na CartaCapital (“Contratos 6×1: a cara do Brasil que trabalha demais e ganha de menos”, Marcelo Soares, 2024), 65% dos vínculos formais com mais de 40 horas semanais pagam até dois salários mínimos, e 42% não chegam a 1,5 salário mínimo. A escala 6x1 está especialmente presente no comércio e nos serviços, onde 82% dos trabalhadores nessa jornada recebem menos de dois salários. Entre mulheres pretas e pardas, essa proporção sobe para 90% (Soares, 2024).

Essas desigualdades também aparecem quando se cruza jornada com raça, gênero e escolaridade. Enquanto apenas 27% dos homens brancos que ganham até 1,5 salário mínimo estão em regime 6x1, essa escala atinge 60% das mulheres pretas na mesma faixa salarial. Embora pessoas com ensino médio sejam maioria nesses contratos, há também milhares de trabalhadoras com ensino superior em longas jornadas por salários baixos — mais de 370 mil mulheres graduadas ganham até dois salários mínimos em contratos 6x1. A distribuição desses vínculos varia pelo território: Santa Catarina lidera com 80% dos contratos formais nessa escala, enquanto no Maranhão a proporção é de pouco mais da metade. A cara do Brasil que mais trabalha ainda é, em boa parte, feminina, negra e mal remunerada (Soares, 2024).

Vale lembrar que os dados analisados vêm da RAIS, que contempla apenas os trabalhadores formais – que contam com maior proteção da legislação trabalhista e organização sindical. Mesmo nesse grupo, 77% cumprem jornadas semanais de 44 horas, geralmente associadas à escala 6x1. Mas o mercado de trabalho brasileiro é muito maior: em 2023, a população ocupada chegou a 98,9 milhões de pessoas, e subiu para 101,8 milhões em 2024. Isso significa que milhões de brasileiros seguem fora do radar dessas estatísticas, muitas vezes em condições ainda mais precárias, com longas jornadas, salários mais baixos e sem qualquer garantia legal.

Diante de um mercado de trabalho marcado por jornadas extensas (e baixos salários), debater a redução das jornadas de trabalho e a remodelação da escala 6x1 não é apenas uma pauta de proteção trabalhista, mas também uma medida estratégica para o futuro do país. Melhorar as condições de trabalho pode incentivar carreiras mais longas, aumentar a produtividade e reduzir a desigualdade — especialmente em uma sociedade que envelhece rapidamente, como a brasileira. Como mostram estudos da OCDE, ambientes de trabalho de baixa qualidade penalizam especialmente os trabalhadores mais velhos, que acabam em postos mal remunerados, com alta exigência física e pouco aproveitamento de seu potencial. Reformar a organização do tempo de trabalho, garantindo jornadas mais equilibradas, pode ser um passo essencial para construir um mercado de trabalho mais justo e sustentável — para os mais jovens, que enfrentam altos índices de rotatividade, e para os mais velhos, que precisam de estabilidade e condições dignas para continuar contribuindo com sua experiência (André, Gal e Schief, 2024).

_Você também pode acessar o código utilizado na análise em nosso repositório de análises no GitHub.

Referências

André, C., Gal, P. e Schief, M. (2024). Enhancing Productivity and Growth in an Ageing Society: Key Mechanisms and Policy Options. OECD Economics Department Working Papers, No. 1807, OECD Publishing, Paris.

UOL. PEC da escala 6x1: leia o texto completo da proposta de emenda. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/11/13/pec-da-escala-6x1-leia-texto-completo-da-proposta-de-emenda-constitucional.htm. Acesso em: 29 maio 2025.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Relação Anual de Informações Sociais – RAIS 2024 (Parcial): Sumário Executivo. Brasília: MTE, mar. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/estatisticas-trabalho/rais/rais-2024/rais-2024-parcial/sumario-executivo_rais-2024-parcial.pdf. Acesso em: 29 maio 2025. Serviços e Informações do Brasil

TEIXEIRA, M.; SALIBA, C.; OLIVEIRA, C. L.; ALSISI, L. B. O Brasil está pronto para trabalhar menos. A PEC da redução da jornada e o fim da escala 6x1. Nota Técnica n. 13. Campinas: Transforma Economia / UNICAMP, abr. 2025. Disponível em: https://transformaeconomia.org/wp-content/uploads/2025/04/NT13-PT.pdf. Acesso em: 29 maio 2025.

SOARES, M. Contratos 6x1: a cara do Brasil que trabalha demais e ganha de menos. CartaCapital, São Paulo, 18 nov. 2024. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/contratos-6x1-a-cara-o-brasil-que-trabalha-demais-e-ganha-de-menos/. Acesso em: 29 maio 2025.


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