Ano passado tivemos a maior epidemia de dengue no Brasil. Somente no primeiro semestre, o total de casos prováveis chegou a um terço do registrado nos últimos 25 anos (Fonte). Um cenário como esse exige, mais do que nunca, acompanhamento de perto da sociedade e do poder público. Ter acesso aos dados de notificação da dengue é fundamental no processo de informação, decisão e ação para mitigar casos futuros.
Os dados sobre a dengue são públicos e relativamente acessíveis. Com um pouco de pesquisa, qualquer pessoa pode investigar a situação da sua cidade e entender melhor a dinâmica da doença. Os dados são organizados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), criado nos anos 1990, que centraliza o registro e monitoramento de doenças de notificação compulsória no Brasil. Integrado ao Sistema Nacional de Informações em Saúde (SIS), o SINAN padroniza e informatiza os registros, permitindo melhor análise de dados e resposta mais ágil a surtos. Em 2014, houve aprimoramento da classificação de casos graves e óbitos por dengue, tornando o acompanhamento mais preciso e reforçando sua importância no controle epidemiológico. O Ministério da Saúde possui um painel com a Atualização de Casos de Arboviroses para quem quer ter acesso às informações sobre a dengue de forma ainda mais direta. Há ainda outras iniciativas com propostas semelhantes, o que facilita ainda mais o acesso aos dados, como o info.dengue.
Dado o impacto local da dengue nas unidades de saúde, optamos por concentrar nossas análises no nível municipal. Comparar cidades e agregar resultados — como por região — é sempre possível, mas é essencial considerar as particularidades de cada local. Fatores epidemiológicos e demográficos influenciam a interpretação dos números, e entender essas nuances faz toda a diferença. Como a curiosidade nos move aqui na Base dos Dados, decidimos investigar as cidades do nosso próprio time: Americana, Sorocaba e Curitiba. Mas também vamos falar um pouquinho sobre o cenário da dengue no Brasil como um todo.
Analisamos conjuntamente as notificações de dengue, dengue grave e dengue com sinais de alarme através das fichas de notificação/investigação individual do SINAN entre 2014 e 2024. Para isso, utilizamos as tabelas tratados com dados do SINAN, disponíveis gratuitamente no datalake público da BD.
acesse os dados por aqui
As fichas de investigação individual coletam dados gerais sobre a notificação, como data, município e unidade de saúde responsável, além de informações detalhadas do paciente, como nome, idade, sexo, raça/cor, escolaridade e se é gestante. Há outras sobre os dados clínicos e evolução do paciente. Alguns campos são de preenchimento obrigatório, como o agravo, a data da investigação, o registro de sinais clínicos, e a evolução do caso na ocorrência de óbito, por exemplo. Prestar atenção na diferença entre campos essenciais e de preenchimento obrigatório fornece pistas a respeito da completude dos dados. Cenários de epidemia ou surto, tanto da dengue como de outras doenças podem afetar o montante de informações coletadas por conta da pressão sofrida por profissionais da saúde nessas ocasiões. O surto de dengue do ano passado e o período da pandemia da Covid-19 são alguns exemplos.
Podemos avaliar os casos de dengue em números absolutos ou de forma comparativa. A forma padrão de comparar cidades, estados e países em estudos epidemiológicos é a partir da taxa de incidência, que calcula os casos da doença para cada 100 mil habitantes. Outras análises possíveis incluem avaliar a incidência por características socioeconômicas da população, como idade, sexo e raça/cor. E como as fichas incluem informações da evolução da doença em casos de óbito, podemos estimar a mortalidade geral da doença na população e a taxa de letalidade da dengue (número de óbitos em um período de tempo sobre o número de pessoas doentes pelo agravo).
O número de notificações de dengue em 2024 aumentou cerca de 350% em relação a 2023. Considerando as primeiras cinco semanas epidemiológicas do ano, o número de casos aumentou cerca de 465% com relação a 2023, mas diminuiu cerca de 57% com relação a 2025. Em números absolutos, a cidade de São Paulo registrou maior número de notificações de dengue em 2024, com cerca de 652.225 notificações registradas ao longo do ano. Belo Horizonte, Brasília, Campinas e Rio de Janeiro são outros destaques quanto ao elevado número de casos prováveis de dengue, entre 100 e 230 mil casos. Em 2025, a cidade que está liderando o ranking no momento é São José do Rio Preto, com 24.775 notificações. São Paulo e São José do Rio Preto também ocuparam o primeiro lugar no ranking de óbitos para os dois anos, respectivamente.
Considerando as cidades da equipe, podemos perceber como é complexo analisar a distribuição temporal dos casos prováveis de dengue. Além da sazonalidade da doença — ela é mais comum nos primeiros meses do ano, a distribuição ao longo dos anos não parece apresentar padrões evidentes sem informações adicionais — como trajetórias bem delineadas de crescimento ou declínio, por exemplo.
Americana (SP) apresentou temporadas de alta para os padrões da cidade nos anos de 2014, 2015, 2019, 2022 e 2024. Já Sorocaba (SP) e Curitiba (PR) registraram picos mais atípicos dentro da série temporal analisada. Em Sorocaba, os anos de 2015 e 2024 tiveram incidências muito superiores à média histórica, enquanto Curitiba atingiu seu maior patamar em 2024. No entanto, a magnitude desses surtos varia significativamente entre as cidades. Por exemplo, o maior pico de incidência em Americana foi de aproximadamente 4.098 notificações de dengue por 100 mil habitantes em 2014. Em Sorocaba, o valor mais extremo foi mais que o dobro, alcançando 8.880 casos por 100 mil habitantes em 2015. Já Curitiba teve sua maior incidência em 2024, com cerca de 1.052 notificações por 100 mil habitantes. A tendência acompanha de certa forma o cenário no Brasil, que apresentou picos da doença em 2015, 2019 e 2024.
Americana apresentou baixa incidência de dengue somente em 2017 e 2018. Os demais anos são de alta incidência. O mesmo aconteceu em Sorocaba, com adição de 2014 e 2016. A classificação de baixa incidência ocorre quando há registro de menos de 100 casos da doença por 100 mil habitantes. Há média incidência entre 100 e 300 casos e alta acima de 300 casos por mil habitantes. Curitiba, por outro lado, teve baixa incidência de dengue para quase toda a série histórica analisada aqui, com exceção de 2024.
Muitos pesquisadores e jornalistas apontam que o que poderia explicar a epidemia de dengue do ano passado é uma combinação de eventos meteorológicos e climáticos (aumento de temperatura combinando com chuvas em abundância) e falhas no controle do vetor de transmissão da doença. Segundo estimativas da Secretaria de Saúde de Curitiba, por exemplo, 75% dos focos do mosquito da dengue estão dentro de casas. Portanto, há muito que poderia ser feito no combate à dengue que não depende somente da variação de temperatura no país.
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