Este artigo é a reprodução do trabalho final da Trilha Formativa “Uso de Dados no Setor Público”, ministrada pela Base dos Dados para alunos do Vetor Brasil, ong que auxilia governos na solução de desafios por meio da inovação em gestão de pessoas.
A casa própria permeia o imaginário do brasileiro como um ideal de segurança de um local para morar e uma reserva de riqueza em caso de emergência. Faz sentido: ao longo das décadas de alta inflação, a população não bancarizada de fato tinha pouco ou nenhum acesso a outras formas de reserva e de ativo — a casa própria, era portanto, sua segurança financeira, o que se podia deixar aos filhos. Embora programas como o Minha Casa Minha Vida tenham expandido o acesso à moradia própria às camadas menos abastadas, a realidade é que parte relevante dos brasileiros habitam sob outra modalidade de moradia: o aluguel.
Essas pessoas comprometem, então, parte significativa de sua renda com o pagamento do aluguel — um valor que tem subido nas principais metrópoles. Em 2022, enquanto o IPCA — índice que mede a inflação — ficou em 5,8%, a alta do preço médio do aluguel residencial chegou a 16,55% pelo Índice FipeZap+ e 8,25%, pelo IVAR-FGV, ambos acima da inflação.
Outro número alarmante é o crescimento da população em situação de rua: de 2019 a 2022, houve aumento de 38%, equivalente a 281 mil pessoas. É razoável pensar que esses fenômenos estejam conectados: quem não pode pagar o próprio aluguel, acaba recorrendo a formas mais precárias de moradia, inclusive à rua.
As pessoas que vivem em condições de moradia precária compõem o déficit habitacional. Tecnicamente, esse conceito é dividido em três componentes: habitação 1 precária (situação de rua, cortiços, barracas), coabitação (pessoas coabitando mesmos cômodos) e o Ônus Excessivo com o Aluguel Urbano: famílias que comprometem mais de 30% da renda com o aluguel. Esse último foi o principal componente do déficit habitacional nas análises mais recentes da Fundação João Pinheiro (principal entidade que trata do assunto no Brasil) e o que mais cresceu: passou de 2,814 milhões de domicílios em 2016 para 3,035 milhões em 2019.
Neste artigo, analisaremos a participação do aluguel na renda anual familiar entre 1997 e 2016, utilizando dados da PNAD, tratados pela Base dos Dados.
O trabalho foi realizado a partir dos dados divulgados pelo PNAD — Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio no período de 1997 a 2015. A PNAD foi implantada em 1967 pelo IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Neste período, a pesquisa contemplava apenas as regiões sul, sudeste, nordeste e o Distrito Federal. Em 1973, foi ampliada a abrangência e inclui as áreas urbanas das regiões norte e centro-oeste. Já em 1980 deixou de cobrir apenas as áreas rurais da região norte, mas foi em 2004 que abarcou todo o país.
Essa importante amostra traz informações e características demográficas e socioeconômicas da população, como sexo, idade, educação, trabalho e rendimento, e características dos domicílios, informações sobre migração, fecundidade, nupcialidade, entre outras, tendo como unidade de coleta os domicílios.. E assim possibilitou desenvolver este trabalho a partir do confronto entre os valores mensais de renda e os valores de aluguéis
O Gráfico 01 (acima), apresenta a curva da média da renda em comparativo a linha de média de valor de aluguel ao longo de 1997 à 2015. Podemos notar que houve um crescimento mais acentuado da renda em comparação ao valor médio de aluguel — ou seja, os dados sugerem que o aluguel tem ficado mais caro relativamente com o passar dos anos.
Entre 1997 e 2015, a porcentagem do comprometimento da renda familiar com aluguel de moradia no Brasil teve uma inversão: ela decresce entre 1997 até 2007, quando passa a crescer em altas taxas. Durante esse período, fatores como o crescimento populacional, a urbanização acelerada e a expansão econômica podem ter contribuído para a elevação dos preços dos imóveis e, consequentemente, dos aluguéis, resultando em um maior esforço financeiro por parte das famílias brasileiras para arcar com os custos de habitação.
As famílias de baixa renda foram especialmente afetadas, uma vez que o aumento dos aluguéis pode ter impactado negativamente a parcela de sua renda destinada a outras necessidades básicas, como alimentação e educação. Esse cenário também pode ter gerado desafios para a redução das desigualdades sociais no país, uma vez que o custo elevado do aluguel pode ter dificultado o acesso a moradias adequadas para muitas famílias de menor poder aquisitivo.
Fazendo um paralelo entre o comprometimento da renda familiar e o crescimento das favelas no país, podemos constatar que no ano de 2010, o número de brasileiros residindo em assentamentos subnormais foi de 3.224.529 pessoas, correspondendo a 5,61% da população brasileira, tal aumento da população residindo em favelas pode ser justificado pela crescente no comprometimento da renda com a moradia ‘’regular’’.
No Gráfico 03, podemos comparar o dispêndio médio em 2015 da renda com aluguel em cada Estado. Rio de Janeiro e São Paulo apresentam valores mais elevados, mas não se trata de uma tendência regional. Estados da mesma região (Norte,Sul, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste) têm maiores particularidades, a exemplo do AM que figura na 3ª posição e RR da mesma região ocupa a 25ª posição, CE a 4ª posição e PI a última, assim como, MG da região Sudeste ocupa 15ª posição.
É importante ressaltar que políticas públicas de habitação e medidas voltadas para o mercado imobiliário foram implementadas ao longo desses anos para mitigar os impactos negativos desse cenário, buscando garantir o direito à moradia digna para todos os brasileiros. Contudo, análises detalhadas de dados específicos são necessárias para entender completamente a evolução do comprometimento da renda familiar com aluguel até os dias atuais.
Gráfico 1 — Valor médio do aluguel
import basedosdados as bd
import matplotlib.pyplot as plt
# Set up BigQuery client
client = bd.BigQuery()
# Set the project ID
project_id = "nifty-inn-386519"
# Specify the dataset and table IDs
dataset_id = "br_ibge_pnad"
table_id = "microdados_compatibilizados_domicilio"
# Load the data into a Pandas DataFrame
df = bd.read_table(
dataset_id=dataset_id, table_id=table_id, billing_project_id=project_id
)
# Filter the DataFrame
filtered_df = df[
(df["posse_domicilio"] != "1")
& (df["renda_mensal_domiciliar_compativel_1992"] > 0)
& (df["aluguel"] > 0)
& (df["ano"].between(1997, 2015))
]
# Calculate the mean value for rent and income for each year
mean_rent_year = filtered_df.groupby("ano")["aluguel"].mean()
mean_income_year = filtered_df.groupby("ano")[
"renda_mensal_domiciliar_compativel_1992"
].mean()
# Plot the line graph for mean rent and mean income for each
year
plt.plot(mean_rent_year.index, mean_rent_year, label="Média Aluguel")
plt.plot(mean_income_year.index, mean_income_year, label="Média Renda")
plt.xlabel("Ano")
plt.ylabel("Valor")
plt.title("Valor Médio do Aluguel e da Renda")
plt.legend()
plt.show()
Gráfico 2 — Porcentagem de comprometimento da renda com aluguel
SELECT
ano,
SUM(renda_mensal_domiciliar_compativel_1992) AS total_renda_mensal,
SUM(aluguel) AS total_aluguel,
SUM(aluguel) / SUM(renda_mensal_domiciliar_compativel_1992) * 100 AS porcentagem_renda_aluguel
FROM
`basedosdados.br_ibge_pnad.microdados_compatibilizados_domicilio`
WHERE
posse_domicilio <> '1'
AND renda_mensal_domiciliar_compativel_1992 > 0
AND aluguel > 0
GROUP BY
ano
ORDER BY
ano DESC
Gráfico 3 — Dispêndio para todos os estados (2015)
SELECT
sigla_uf,
SUM(renda_mensal_domiciliar_compativel_1992) AS total_renda_mensal,
SUM(aluguel) AS total_aluguel,
SUM(aluguel) / SUM(renda_mensal_domiciliar_compativel_1992) * 100 AS porcentagem_renda_aluguel
FROM
`basedosdados.br_ibge_pnad.microdados_compatibilizados_domicilio`
WHERE
posse_domicilio <> '1'
AND renda_mensal_domiciliar_compativel_1992 > 0
AND aluguel > 0
AND ano = 2015 -- Selecting only the data for the year 2015
GROUP BY
sigla_uf
ORDER BY
porcentagem_renda_aluguel DESC;
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